quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Obscenidade é isto



Proliferam por estes dias em Portugal lojas especializadas na compra e venda de ouro. É a moda do momento. E promete vir para ficar, como um inequívoco sinal da crise. Angustiadas com falta de dinheiro, afectadas pela praga dos '3 D' - doença, desemprego, divórcio - que conduz a dramáticas situações de empobrecimento, milhares de pessoas vão acorrendo a essas lojas na mira de conseguirem o dinheiro que lhes falta, às vezes para as necessidades mais elementares. Até para comer. Despedem-se assim de objectos de incalculável valor estimativo, de velhas jóias de família, até de alianças de casamento (permanecendo casadas, muitas vezes).
É, aliás, uma aliança de casamento que surge em foco num folheto publicitário profusamente distribuído pela cidade anunciando esta rede de lojas, intituladas "cash converters", bem à americana. Na fotografia do folheto, uma jovem sorridente - convenientemente maquilhada - exibe em grande plano o dedo médio, em cuja base está a aliança. Um gesto obsceno coroado com a seguinte legenda: "O homem da tua vida já está fora da tua vida? Vende-o!"
A ideia, claro, é vender a aliança. Mas, subjacente a isto, impera a ideologia de que tudo é descartável e transaccionável no mundo contemporâneo - a começar pelos afectos. Miro o folheto e fico nauseado com o sorriso radioso da moça da foto, a convicção de que se pode fazer lucro aproveitando os dramas alheios, a noção de que tudo na vida tem um preço em vil metal. Até as memórias de um amor.
Ao menos as antigas lojas de penhores, na sua existência discreta, quase envergonhada, não faziam gala do seu comércio. Existiam, estavam lá, quem precisava recorria a elas em situações de urgência. Agora, pelo contrário, envolve-se esta agiotagem dos nossos dias num pretenso glamour platinado e exuberante, como se a venda desesperada de uma aliança fosse um marco na emancipação feminina (não é por acaso que está uma mulher e não um homem na fotografia) e na erradicação definitiva da "moral burguesa".
Obscenidade é isto.

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