terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O que o fundador da Ikea e os seus filhos escondem

Até aos anos 90, as lojas Ikea alemãs pareciam catacumbas romanas: aos sábados à tarde os clientes amontoavam-se pelos 1.400 metros de corredores e abriam as portas de emergência para apanhar ar – com os alarmes a tocar. Só depois o design mudou. Mas a vida do fundador continuou igual: detesta férias e passa parte do Verão a escrever o discurso de Outono – na sala de casa, em roupa interior. Até há poucos anos, Ingvar Kamprad chegava à sede da Ikea às 6h e mantinha reuniões todo o dia.

Fuga aos impostos
Ingvar Kamprad reconheceu que a Ikea é gerida a partir de uma sociedade com sede no Liechtenstein que, de acordo com a imprensa sueca, lhe terá permitido poupar 2 mil milhões de euros em impostos. Kamprad diz que sempre pagou as taxas devidas e que a Interogo, a fundação no Liechtenstein, é uma questão de “eficiência fiscal”. Mas o próprio fundador da Ikea vive numa espécie de exílio fiscal: mudou-se para Lausanne, na Suíça, em 1973.
“Para pagar menos impostos, alega que não tem rendimentos nesse país”, explica Johan Stenebo, que acredita que o milionário é o homem mais rico do mundo. “Os lucros da Ikea ao longo dos anos têm de ir para algum lado. As fundações são controladas pela família e usadas para pagar menos impostos”, defende. A Ikea é uma empresa fechada: as contas de 2010 foram as primeiras a ser tornadas públicas.

Madeira ilegal comprada na China
Até há poucos anos ninguém estava autorizado a revelar o número de catálogos produzidos pela Ikea. “Ingvar tinha medo que se convertesse o volume de folhas em número de árvores abatidas e hectares de floresta destruídos”, revela Johan Stenebo. Todos os anos a Ikea compra 200 milhões de troncos de árvores. Primeiro problema: apenas a China e a Rússia conseguem vender madeira a preços suficientemente baixos. Segundo problema: a máfia russa já boicotou negócios à empresa. Por isso, a Ikea virou-se para a China.
“Os chineses atravessam as fronteiras da Sibéria e entram ilegalmente nesta floresta natural. E um dos maiores compradores desta madeira é a Ikea.” Segundo o autor, a empresa só consegue saber a origem de 10 a 20% da madeira comprada na China. “Todos os fornecedores têm centenas ou milhares de empresas subcontratadas e não há qualquer controlo sobre isso. Pelo menos 80% desta madeira é ilegalmente cortada na Sibéria.” A Ikea podia por isso receber o título de maior revendedor de florestas virgens do mundo.

Penas de animais vivos
Há mais de 30 anos que as penas de pássaros usadas para fazer almofadas e edredons são retiradas de animais vivos. Vantagem: “Podem ser retiradas várias vezes antes de o animal ser abatido e ajudam a manter os preços baixos”. Não é o único tema polémico: as emissões de gases de efeito estufa da empresa equivalem às de toda a Suécia. A Ikea defende-se: instalou painéis solares em algumas lojas e quer que todos os seus espaços comerciais tenham turbinas eólicas no telhado.
“Mas as lojas representam no máximo 4% das emissões do grupo”, diz Johan Stenebo. Além disso, “as turbinas eólicas exigem nove metros por segundo de vento. Nenhuma loja Ikea tem uma média de vento próxima destes valores”. Para o autor, estas iniciativas são apenas uma manobra de diversão, para trazer publicidade positiva, tal como os donativos para as associações de defesa do ambiente, como o World Wildlife Fund. “Os donativos são de tal forma que, em teoria, podemos dizer que alguns trabalhadores do WWF são pagos pela Ikea.” E isto significa que o WWF não pode criticar abertamente a empresa. “Está financeiramente refém da Ikea.”

Discriminação
“As mulheres devem ficar de pé e à frente, para parecer que são muitas”, diziam alguns administradores, meio a brincar, nas fotos de grupo. Quando Stenebo deixou de ser assistente pessoal de Kamprad, a candidata asiática apontada para o lugar foi afastada. “Não havia ninguém tão capaz dentro do grupo, mas o vencedor foi um homem alto, de cabelo louro e olhos azuis. Um sueco protestante e heterossexual, exactamente como eu. E como todos os outros assistentes antes de mim.” Kamprad só confia em homens.
“Houve mulheres muito competentes que foram afastadas por serem mulheres.” Já o filho mais velho, Peter, desconfia dos “negros”, como lhes chama. “Talvez não haja assim tanta coisa errada com os negros, mas ainda assim...”, chegou a dizer numa reunião. A sucessão é um dos problemas: nenhum dos três filhos tem talento para continuar a empresa, mas têm poder: o cunhado de Ingvar tentou promover Mathias, mas o filho mais velho, Peter, não gostou, e garantiu que o tio fosse afastado da presidência do conselho de administração. Mathias é o mais boémio: numa das suas frequentes noitadas destruiu um restaurante em Copenhaga. A Ikea pagou.

O mito do alcoolismo
Aos 40 anos, Ingvar trocou os fatos feitos à medida por roupa gasta, o cachimbo por tabaco de mascar, mudou de corte de cabelo e passou a encher os bolsos com embalagens de sal em self-services. Agora, fala abertamente dos seus problemas: a dislexia e o alcoolismo. Para Stenebo, são mitos. “Comunica com gestores de todo o mundo através de centenas de faxes e cartas escritas à mão e engana-se sempre nas mesmas palavras, e sempre da mesma maneira.”
E só por uma vez, em 1995, os colegas o viram alcoolizado. “O homem mais rico do mundo torna-se muito mais excitante se for alcoólico, disléxico, não souber falar inglês e for ligeiramente estúpido, como se descreve quando está com jornalistas”, mas não é verdade: faz, em poucos minutos, cálculos que implicam conhecer as rotas de transporte e preços de matérias-primas entre quatro fronteiras e custos laborais em dois países, para três operações diferentes.

Rede de espiões e plágio
O fundador da Ikea tem uma rede de espiões: um grupo de empregados mais velhos que vivem junto à sede e lhe transmitem por fax e telefone as observações que fazem. Quando foi viver para a Suíça passou a usá-los mais vezes. “Nessa altura, a empresa ainda roubava o design de muitos dos seus produtos mais vendidos.”
Durante as primeiras semanas na empresa, Johan assistiu a uma descrição original de um produto novo: o recorte de um catálogo da concorrência. Ingvar defende-se: “Há muito pouco design único e toda a gente se inspira em alguém.” Tal como se defende deste livro: a Ikea não comenta as opiniões “pessoais” do autor, disse a empresa.

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