domingo, 8 de maio de 2011

Sobre Portugal


Estamos a ser confrontados com um vídeo que culmina com um pedido de dinheiro à Finlândia, baseado no facto de, nos anos 40 do século XX, Portugal ter ajudado esse mesmo país. Este vídeo foi apresentado pelo Presidente da Câmara de Cascais no fim das Conferências do Estoril.
Ora, não comparemos Portugal à Finlândia e, sobretudo, não comparemos a estrutura económica da Finlândia com a estrutura económica de Portugal.
A grande questão que aqui se levanta é: será que Portugal merece ajuda financeira? Será que um país que não consegue (ou não quer) arrumar a própria casa merece ajuda financeira? Será que um país que, nos últimos trinta anos, foi visitado três vezes pelo FMI merece ajuda financeira?
Isto não é uma questão de “eu ajudei-te portanto agora tu ajudas-me”. O problema de Portugal está demasiado enraizado nos costumes, no povo, na maneira de fazer política e, a juntar a isso, há um enorme problema: o povo que vota e que paga impostos continua a pensar que agora é que é e que agora é que as coisas vão melhorar. E continua, com o seu voto cego em alguém, a alimentar a bola de neve que é feita de vários governos, de grupos de interesse, de vários partidos e de outras formas de desgoverno.
Quando é que o povo que vota e que paga impostos toma uma atitude?
Há uns dias entrei num café e, sentados a uma mesa, dois homens conversavam sobre política e sobre a situação económica e um deles disse “Esses políticos deviam ser todos castrados”.
Não deixa de ser interessante o terrível hábito que a maioria do povo votante tem de deixar as coisas andar, quer seja por não se interessar, quer seja por não se importar em comer o que lhe dão para comer, quer seja pela ingenuidade que alastra em determinadas fatias da sociedade. E pegando no exemplo da alimentação: um eleitor português come todos os dias o seu nabo cozido até que, um dia, ele descobre que é possível comer um suculento bife com batatas fritas e ovo estrelado. Mas este eleitor prefere continuar a comer o seu nabo em vez de fazer o que lhe compete para ter direito ao seu bife.
Porque razão esta pessoa continua a querer comer o seu nabo em vez de fazer o necessário para ter direito ao bife? Tem vergonha de ter algo mais do que o nabo? Tem vergonha de desejar? Tem medo de pôr em prática as acções que, um dia, o levarão a comer bife com batatas fritas, em vez do nabo cozido? Tem medo de trabalhar? Tem medo de trabalhar mais?
Há, em Portugal, o péssimo hábito de fazer as coisas pelo seu lado mais fácil e quanto menos trabalho houver para fazer, melhor será. Custa-me que as pessoas não queiram entender que é preciso trabalhar pelos objectivos. Custa-me entender que prefiram andar a pedir esmola em vez de serem economicamente poderosos. Custa-me ver aqueles que se dizem portugueses andarem a arrastar-se pelo chão pedindo meia dúzia de tostões porque, há uns anos, os portugueses ajudaram os finlandeses
O FMI está cá pela terceira vez em trinta anos. Quem tem mais de trinta anos já foi visitado três vezes pela mesma entidade porque quem tem gerido o dinheiro do Estado tem-se revelado incapaz de o fazer. Três vezes em trinta anos dá uma média de uma vez a cada dez anos. Espantoso!
O FMI, o PEC ou qualquer outro nome que essas coisas tenham, mais não faz do que tapar buracos com areia. Nenhuma dessas entidades resolve o verdadeiro problema da sociedade e que pode ser resumido em: quem governa faz o que quer e o povo votante deixa fazer mais do mesmo e nunca se melhora nada e muitos dos que votam vivem na ilusão de que “agora é que as coisas vão melhorar”. E continuamos no mito do D. Sebastião, no mito do Salvador, no mito do herói que vem de fora para salvar o desastre que aconteceu.
E melhorar para onde? Que tipo de país queremos que Portugal seja? Qual é o objectivo de Portugal? Qual é a meta e o que está para além dessa meta? Porque não têm as pessoas um objectivo? Ou será que o objectivo da maioria das pessoas é ter dinheiro para ir de férias, ter dinheiro para comprar uma televisão melhor e ter dinheiro para conseguir um crédito para comprar um frigorífico novo?
Assusta-me a ingenuidade do povo. Assusta-me que a maioria do povo se esteja a borrifar se no seu prato existe um nabo cozido ou um suculento bife. Assusta-me que a maioria do povo esteja à espera que sejam os outros a resolver o seu próprio problema. Assusta-me o contentamento pelo nabo.
O problema da ingenuidade é complicado de se resolver e muitos dos votos que elegem um governo são dados pelos ingénuos que seguem o seu pastor. E os ingénuos não são apenas os velhinhos que vivem numa aldeia perdida de Trás-os-Montes. Há muitos ingénuos a habitar em Lisboa, no Porto e até nos bairros mais luxuosos.
É óbvio que nem toda a gente passa pelas mesmas experiências ao longo da vida, é óbvio que nem toda a gente foi aluno de algum professor especial que lhe tenha aberto os olhos, é óbvio que o nível de conhecimento de uma pessoa não tem que ser o melhor, etc, etc. Mas eu pergunto: porque não pensa uma pessoa nos seus actos? Porque não pensa uma pessoa em “se fizer isto, então vai acontecer aquilo”? Porque continua muita gente à espera do D. Sebastião?
Muitas vezes, quando não há a certeza de uma coisa, mais vale informar-se junto de alguém que, de facto, sabe do assunto ou, se não houver essa pessoa, é possível que seja melhor não dar o benefício da dúvida e recusar-se a pactuar com o nabo que lhe é servido. É claro que aqui se põe o problema da autoridade (sendo que a autoridade é aquele que sabe): para uns é um jogador de futebol, para outros é um apresentador de concursos de televisão, para outros é Nietzsche ou Platão.
O povo votante e que paga impostos tem que mudar de atitude, tem que pensar na consequência dos seus actos. Tem que querer perceber o que acontece se fizer isto de uma maneira e não de outra. O povo votante tem que fazer pressão para que as coisas mudem e para que passemos a viver numa terra mais justa, mais rica e mais saudável. Fazer pressão não é o mesmo que provocar uma revolução ou começar uma guerra civil. Fazer pressão é tomar uma atitude (pacífica) para que as coisas melhorem como, por exemplo, não deixar que os problemas que estragam Portugal se mantenham.
Fazer pressão pode ser algo tão simples como votar nulo. Opto pelo voto nulo e não pelo voto em branco porque votar em branco soa-me ao mesmo que passar um cheque em branco a alguém que não conheço e que não confio.
A somar ao que fui mencionando ao longo deste texto, creio que há um factor que é desconhecido de muita gente. Penso que muitas pessoas não sabem que é possível não votar em ninguém. Penso que as pessoas não sabem que é possível votar nulo ou votar em branco. Creio que muitas pessoas pensam que votar significa apenas e só escolher uma pessoa de uma lista. E há um outro problema que poderá surgir colado a este que é o estúpido hábito de escolher o “menos mal”, de escolher o candidato que é o menos mal. O que é isso de “o menos mal”? Havia uma lista de piores e aquele que se escolheu para governar o país em que se vive e gerir o dinheiro público é o candidato menos medíocre? As pessoas que escolhem votar no menos mal vão ser governadas por um medíocre.
E voltamos à história do nabo. Porquê querer comer um nabo em vez de fazer o possível para termos o nosso bife? Porquê continuar a alimentar um sistema baseado no nabo cozido? Porquê continuar com um sistema baseado na mediocridade? Os governos eleitos são o reflexo do povo que o elege e isto implica que eleitores medíocres mereçam ser governados por líderes medíocres. Um grande problema é estarmos numa organização baseada em sistemas maioritários e nesses o que conta é a escolha da maioria e quem não concorda que se cale ou que fale para o seu canto.
Impedir que Portugal continue a afundar-se cada vez mais pode ser feito a partir de uma atitude tão simples como votar nulo. É preciso que quem vota e quem paga impostos acorde e deixe de escolher votar neste ou naquele partido, que deixe de se abster e que deixe de votar em branco. É necessário que os eleitores acorram em massa às mesas de voto e escolham votar nulo. E esse voto nulo servirá para dizer: “Eu recuso-me a pactuar com este sistema; Eu não quero mais do que me estão a oferecer; Eu quero um país melhor”.
Portugal tem uns oito milhões de eleitores e seria interessantíssimo se sete milhões e quinhentos mil votassem nulo. Seriam quinhentos mil votos a dividir pelos vários partidos o que daria uns duzentos mil ao partido que vencesse as eleições. Será que se legitimará um governo que é apoiado pelas pessoas que cabem em três estádios de futebol? (Quinhentos mil votos porque haverá sempre alguém que escolherá este ou aquele partido, sejam esses os próprios candidatos ou as pessoas ligadas a eles).
A situação desastrosa em que Portugal se tem vindo a arrastar só mudará no dia em que se deixar de alimentar o sistema governativo tal como está construído. Enquanto isso não acontecer será apenas mais do mesmo que já aconteceu e, daqui a uns anos, teremos cá novamente o FMI (ou qualquer outra entidade semelhante).
Há apenas duas opções: ou se continua a assobiar para o lado, fingindo que não se passa nada, ou se enfrenta o problema, curando-o.
Quanto ao vídeo que referi no início deste texto ser útil para levantar a moral de um povo: até pode servir, não digo o contrário mas, vendo bem, todos os países deram coisas ao mundo e todos os países dão coisas ao mundo; todos os países deram e dão as suas contribuições para a ciência, para as artes plásticas, para a literatura, para o desporto; todos os países tiveram e têm os seus conhecimentos e os seus sábios que partilham com o mundo. Portugal é apenas um desses países.
A moral não se levanta apenas com um vídeo. É preciso curar os problemas em que Portugal está atolado para depois, isso sim, o orgulho de ser português se faça sentir e se faça sentir além de um estádio de futebol.
Que tipo de nação querem os eleitores que Portugal seja?
O voto nulo será apenas o ponto de partida para uma sociedade diferente, será o início (ou o reinício). Será como o lançamento para um país diferente.
E muito mais há a escrever sobre este assunto e muitas das questões aqui levantadas terão que ser clarificadas, mas para isso será necessário dedicar-lhe um livro inteiro.
E, antes que me esqueça: povo! Continuai a gastar o que não há, continuai a mergulhar em cada vez mais créditos, continuai a trocar de telemóvel sempre que há um modelo que é a última novidade e para o poder mostrar e comparar com o do amigo, continuai a nadar em dinheiro virtual, continuai a fazer essas coisas agradáveis... A economia agradece.

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